Ao inviabilizar o processo de apreciação parlamentar o Governo permitiu que se consolidassem algumas dezenas de alterações legislativas em matéria de empreendimentos turísticos e de estabelecimentos de restauração e bebidas. Em vez de se parar para pensar e modificar, duma só vez, o que racionalmente se impusesse.
Ao fim de um ano, já se propõem novas alterações, ignorando-se as críticas dirigidas ao anterior executivo por alterar frequentemente a legislação do turismo.
No artigo anterior iniciei a análise Plano de Desenvolvimento do Turismo (PDT) por um aspecto parcelar, o da alteração do regime jurídico das regiões de turismo.
No entanto, a importante vertente de reforma legislativa do PDT, não se esgota na aparente diluição do modelo de administração regional de turismo na novel figura das áreas promocionais, projectando-se no domínio dos empreendimentos turísticos, estabelecimentos de restauração e bebidas, agências de viagens, termalismo, jogo electrónico e caça.
Neste texto, centrarei a minha atenção num aspecto muito particular, o da metodologia que o Governo se propõe seguir para a alteração da disciplina dos empreendimentos turísticos (Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, abreviadamente LET) – porventura a medida mais importante, a qual encabeça o PDT – e dos estabelecimentos de restauração e bebidas (Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho, abreviadamente LRB).
A LET foi alterada em 1999 e
Procurarei, assim, chamar de novo à atenção para o grave inconveniente de o turismo ter, nos últimos anos, alterado a sua legislação fundamental com bastante frequência. Entre outros aspectos, tais modificações são muito perturbadoras para o investimento, designadamente para o estrangeiro, que se depara com uma instabilidade legislativa sem precedentes ao nível da União Europeia. Por seu turno, as câmaras municipais, grandes aplicadoras dos dois diplomas legais, revelam uma crescente dificuldade na absorção de um acervo normativo em constante mutação, afectando a qualidade e a celeridade das decisões autárquicas em matéria de licenciamento, com os inerentes prejuízos para cidadãos e empresas.
Quando o actual Governo entrou em funções, a Confederação do Turismo Português (CTP) apresentou um estudo defendendo as vantagens de um processo de apreciação parlamentar (artº 169º da Constituição), mais conhecido pela anterior designação de ratificação parlamentar dos decretos-lei. No essencial, pretendia-se que a Assembleia da República operasse a cessação da vigência das alterações à LET (Decreto-Lei nº 55/2002, de 11 de Março) e LRB (Decreto-Lei nº 57/2002, de 11 de Março) que recentemente haviam entrado em vigor.
Antes das eleições, a argumentação constante do estudo da CTP fora acolhida pelo PSD. O ministro sombra para o turismo, Mário Patinha Antão, em várias sessões de campanha eleitoral, designadamente no Algarve, evidenciou os males da instabilidade legislativa no turismo. Complementarmente, Paulo Martins, membro da "task force" do PSD para o turismo, opinava no "Expresso" de 8 de Dezembro de 2001:
"Dispenso-me de enumerar as desvantagens para os agentes económicos do sector e para os investidores nacionais e estrangeiros da frequente mutação da legislação, sobretudo quando não se entra no fundo das questões por eles suscitadas e se opta sistematicamente por modificações meramente formais para ocupar o maior número possível de páginas do Diário da República. Já para não aludir à utilização da folha oficial para correcções que deveriam realizar-se atempadamente nos gabinetes.".
Também no CDS/PP o interesse que a então deputada Celeste Cardona dedicava ao turismo, aliado a uma formação jurídica superior, conduziu a uma grande identidade de pontos de vista com a CTP no que respeita à inadequação das identificadas alterações no domínio da LET e da LRB.
De igual modo, já na actual Legislatura, o PCP, por intermédio de Lino de Carvalho, manifestou a sua concordância relativamente ao identificado estudo.
A solução proposta, ou seja, a cessação da vigência das alterações legislativas recentes da LET e LRB, independentemente da sua valia e consistência que pode ser compulsada através da análise do documento, continha uma saída pragmática para uma situação complexa. Permitia à equipa governamental do turismo recentemente empossada – e fragilizada mercê do irrepetível processo de designação do anterior Secretário de Estado do Turismo (SET) – um estudo das alterações de natureza material que o sector reclamasse. Sem pressas, com toda a racionalidade, suscitando a intervenção e contributos dos diferentes interessados.
Com efeito, não era minimamente defensável que empresários, administração central e autárquica perdessem tempo na absorção de algumas dezenas de alterações formais perfeitamente dispensáveis ou mesmo inconvenientes, para daí a um ou dois anos se iniciar um novo processo de revisão da legislação do turismo maxime da LET.
Tendo o anterior SET inviabilizado o processo de apreciação parlamentar, somos confrontados, decorrido pouco mais de um ano, com o anúncio de novas alterações legislativas. As forças políticas que outrora criticavam o frenesim legislativo preparam-se agora para trilhar o mesmo caminho. Bem prega Frei Tomás ....
Carlos Torres
Advogado
Turisver, Ano XVIII – nº 597 – 05 de Agosto de 2003