1. Propostas claras e fundamentadas a curto prazo
Este é um tempo de mudanças profundas na administração do turismo português. O seu figurino depois do PRACE será diferente, constituindo, goste-se ou não, um marco na história do turismo português.
Fechou-se o fecundo ciclo da especialização dos órgãos e inicia-se outro, sob a égide da concentração. Alteração profunda ao nível da orgânica e, ao que se sabe, dos titulares.
O corrente mês de Maio constitui um período decisivo nesta inexorável e musculada marcha do PRACE porquanto as leis orgânicas a criar, designadamente da Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE), ou a modificar, como é o caso do Instituto de Turismo de Portugal (ITP), encontram-se em fase de elaboração.
Naturalmente que se impõe da parte do sector do turismo, maxime do associativo, um conjunto de ideias claras para poder influenciar, em alguma medida, a marcha dos acontecimentos. Doutro modo, é novamente apanhado de surpresa, reagindo a posteriori à adversidade e com a agravante, pelo menos num caso, em termos não inteiramente coincidentes.
E não restam dúvidas de que o Governo vai aproveitar estas invulgares condições para concretizar as mudanças. Sem oposição visível e minimamente estruturada neste domínio – não se conhecem, até ao momento, quaisquer reacções dos responsáveis políticos que se ocupam das matérias do turismo no PSD, PCP ou PP, pelo que praticamente se pode falar de um tácito acordo de regime nestas substanciais alterações na administração central do turismo – quanto mais cedo se concluírem estas modificações melhor, antes que o principal partido da oposição, encerradas as primárias, desperte finalmente para a sua principal função.
2. Duas vertentes fundamentais e indissociáveis na administração do turismo português: o centralismo e o regionalismo. O indispensável equilíbrio entre as duas linhas de força
Uma tendência que encontramos em diferentes administrações do turismo é a de comportarem no seu seio soluções marcadamente centralistas que convivem com outras de matriz regional.
O que é inteiramente compreensível pois, se a imagem de um país no exterior tem de provir de uma orientação unitária, não é menos verdade que a diversidade de produtos que diferencia os destinos turísticos é fortemente potenciada pelos órgãos de proximidade, os que em melhor posição se encontram para promoverem a singularidade das suas características.
Daí que se encontre há muito consolidada, inclusivamente do ponto de vista científico, a existência e a indispensabilidade de três planos distintos na administração do turismo: o nacional, o regional e o local.
É, pois, com base nesta ideia de um ponto de equilíbrio entre aquelas vertentes fundamentais da administração do turismo português, de conciliação e não de exclusão recíproca, que parto para a análise do órgão para o qual devem ser transferidas as atribuições da extinta DGT.
Sendo também o raciocínio ulterior norteado pelo princípio de preferência nas atribuições a órgãos especializados em detrimento dos generalistas. O ITP e as regiões de turismo são órgãos especializados nas matérias do turismo, nele concentram e esgotam as suas atribuições, enquanto a DGAE ou as DRE prosseguem outro tipo de atribuições que nada têm a ver com o turismo.
3. Um acervo significativo de atribuições prosseguidas pela DGT
O núcleo de atribuições prosseguidas pela DGT é considerável. Pelo que encontraremos matérias relativamente às quais não se oferecem dúvidas quanto à sua integração no ITP, outras devem ser partilhadas entre o ITP e os órgãos regionais de turismo e, por fim, algumas exclusivamente cometidas a estes últimos.
Para o efeito, parte-se da indispensável análise do Decreto-Lei nº 8/2004, de 7 de Janeiro, que aprovou a Lei orgânica da DGT (LODGT) e do Despacho nº 1294/2004, publicado na II Série do Diário da República, de 21 de Janeiro de 2004, relativo às suas divisões.
Empreendamos, pois, tal excurso.
I) Estudos e estratégia do turismo (artº 6º LODGT):
Quer na vertente dos estudos e planeamento do turismo quer na da recolha e análise estatística tais competências devem transitar, na sua totalidade, para o ITP.
II) Ordenamento turístico, inventariação e estruturação de destinos (artº 7º LODGT):
Nesta sede, há que cindir. Em primeiro lugar, as relevantes matérias do ordenamento turístico, em segundo as da inventariação e estruturação de destinos.
II.1) Ordenamento turístico
Nesta matéria toda a atenção é pouca porquanto os excessos cometidos no turismo, ou seja, investimentos alegadamente turísticos mas que na realidade acobertam predominantemente interesses imobiliários, têm levado à desconfiança crescente, nalgumas situações inteiramente fundada e compreensível, por parte do poderoso e muito bem organizado lóbi do ambiente.
A marcação turística do território é, com efeito, de uma importância capital no desenvolvimento do sector, não podendo, a nenhum título, ser descurada. É uma matéria cuja importância ombreia com as verbas do jogo.
Há, assim, que assegurar que as competências da DGT nesta sede se transferem incólumes para o ITP. Com a agravante de o Plano Sectorial do Turismo, ao qual dedicarei brevemente um artigo de opinião, pura e simplesmente não existir, o que redunda numa injustificada e irresponsável desprotecção dos interesses do sector neste crucial domínio.
O ordenamento turístico deve assentar exclusiva ou predominantemente numa matriz centralista. Mas não excluo, e com isso podem beneficiar fortemente os interesses das populações que a ela sejam chamadas, numa perspectiva limitada, as regiões de turismo. O seu mais profundo conhecimento do território em causa e das respectivas potencialidades turísticas pode carrear argumentos adicionais, conferir maior credibilidade e influenciar a complexa negociação em que se perfilam uma diversificada gama de interesses. Afinal o território vale em função do tipo de utilização que lhe puder ser dada e o conflito de interesses económicos, sociais e políticos é uma realidade natural e incontornável.
II.2) Inventariação e estruturação de destinos
Quanto à inventariação, também não parece escapar a uma orientação centralista, sem prejuízo do estabelecimento de mecanismos de cooperação com os órgãos regionais e locais da administração do turismo. A atribuição deve, assim, transitar para o ITP.
Na estruturação dos destinos é que não podem deixar de se estabelecer mecanismos efectivos de confluência de posições, porventura com a predominância da vertente centralista, mas consagrando, em boa medida, a regional.
III.1) Pareceres sobre pedidos de informação prévia e no âmbito de projectos de arquitectura
O pedido de informação prévia relativo a um empreendimento turístico que se pretende instalar em determinado local, o qual por razões de economia e segurança jurídica é apresentado na respectiva câmara municipal antes da fase do licenciamento da construção, carece sempre de um parecer da DGT.
Esta entidade aprecia, para além da observância das pertinentes normas legais e regulamentares (LET e os seus regulamentos), a localização do empreendimento turístico, um conjunto de aspectos com bastante acuidade em sede turística, designadamente a proximidade de actividades incompatíveis, v.g. uma cimenteira, fábrica poluente ou uma odora exploração de suínos, a afectação do meio ambiente ou património arquitectónico, se existem adequadas vias de acesso ao empreendimento, suficientes estruturas hospitalares nas imediações ou a proximidade de zonas urbanas degradadas.
Quando, de harmonia com um daqueles critérios enunciados na lei, a DGT expresse fundamentadamente um juízo negativo, a câmara não pode dar uma informação positiva quanto à possibilidade de instalação de um empreendimento turístico
Idêntica situação se verifica, numa fase posterior, quando é apresentado na câmara municipal o pedido de licenciamento e a edilidade tem obrigatoriamente de consultar a DGT, remetendo-lhe o projecto de arquitectura do empreendimento turístico. Também aqui o parecer da DGT é vinculativo, obsta a que a câmara municipal possa licenciar a construção.
Como é sabido, actualmente a entidade que licencia a construção de um hotel é a câmara municipal, enquanto num passado recente era a DGT. Essa mudança gerou um conjunto de críticas relativamente à menor sensibilidade das câmaras municipais para as especificidades da edificação turística. Não curando agora de saber do carácter fundado de tais críticas, parece importante acautelar a intervenção duma entidade exterior ao município com sensibilidade para tais aspectos e não deixar que as mesmas sejam transferidas para um órgão generalista.
E qual será o órgão melhor posicionado, com uma experiência sedimentada no terreno, para a apreciação das aludidas particularidades relativas à instalação de um empreendimento turístico?
As regiões de turismo como órgãos de proximidade, com uma já longa experiência no acompanhamento de empreendimentos turísticos, devem passar a exercer competências relativamente à sua instalação. Trata-se de pessoas colectivas públicas que, embora dimanando dos municípios, são deles independentes e que, além disso, incorporam representantes de interesses privados bem como da administração central, alcançando uma representação plena dos vários tipos de interesses envolvidos no sector. Nenhuma outra entidade, pública ou privada, alcança idêntico grau de representatividade.
Ao ler este texto, mão amiga particularmente qualificada pelo exercício de funções políticas ao mais alto nível nestas matérias, fez-me chegar as seguintes objecções: a solução proposta não garante uniformidade dos critérios nacionais e suscita preocupação pela maior proximidade dos titulares dos órgãos das regiões de turismo relativamente aos promotores que os elegem. Reconhecendo a pertinência dos argumentos, tais preocupações podem ser, de algum modo, esbatidas mediante a intervenção obrigatória do representante da administração central em sede de informação prévia e do parecer sobre o projecto de arquitectura. Como os critérios são os que decorrem da legislação nacional (LET e respectivos regulamentos), o aludido representante apura facilmente a sua conformidade e podem, inclusivamente, consagrar-se mecanismos para obstar a eventuais desvios. A extraordinária versatilidade da arquitectura jurídica das regiões de turismo é, com efeito, potenciadora de uma diversificada gama de soluções.
A competência do ITP será, assim, residual, abrangendo tão somente as parcelas do território continental que não disponham de um órgão regional de turismo.
A razão pela qual não deverão tais pareceres vinculativos ser emitidos no âmbito das comissões municipais ou das juntas de turismo, prende-se com a circunstância de configurarem estruturalmente pareceres de entidades exteriores ao município e as zonas de turismo deles serem partes integrantes.
III.2) Nome, capacidade máxima e classificação dos empreendimentos turísticos. Autorização de obras no interior de empreendimentos turísticos
A aprovação do nome de um empreendimento turístico, excepto no caso dos parques de campismo, em que a câmara municipal abarca todos os aspectos, é da competência da DGT.
O mesmo se passa com a capacidade máxima do empreendimento.
As obras no interior de um empreendimento turístico, apesar de dispensadas de licenciamento municipal, carecem de autorização da DGT quando afectarem um dos seguintes aspectos: classificação, capacidade máxima ou os requisitos mínimos decorrentes da respectiva classificação.
De igual modo, a classificação (estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento) e qualificação (conjuntos turísticos) também é cometida à DGT.
As razões expostas no número anterior, valem, mutatis mutandis, para estas competências da DGT serem transferidas para os órgãos regionais de turismo, agora convertidos na mais antiga instituição do turismo português. Que, aliás, já dispõem de uma vasta experiência nesta matéria porquanto integram, de harmonia com a lei vigente, as comissões de vistoria para efeitos de classificação.
O eventual perigo destes órgãos de proximidade serem, por assim dizer, «generosos», em matéria de classificação, de molde a melhor qualificarem a oferta da sua região, pode ser prevenido através da introdução de um representante da administração central na comissão de vistoria. Com maiores ou menores poderes, este representante pode obstar a classificações artificiais e, assim, assegurar a uniformidade da sua aplicação no território nacional.
III.3) Instalação de estabelecimentos de turismo de natureza
A esta modalidade de alojamento e animação, cujo traço distintivo decorre do facto de se desenvolverem em parcelas do território particularmente sensíveis do ponto vista ambiental, ou seja, em áreas protegidas, é aplicável o regime acima exposto.
Assim, o pedido de informação prévia ou a realização de obras em casas de natureza carecem sempre de um parecer vinculativo da DGT.
As razões de especialização e proximidade acima aduzidas levam a que também estas atribuições devam ser cometidas às regiões de turismo.
Dada a ausência de mecanismos de classificação ou qualificação não se coloca obviamente qualquer problema de transferência de atribuições nesta sede.
III.4) Vistoria de empreendimentos turísticos
A prerrogativa de a DGT vistoriar, a qualquer tempo, os empreendimentos em ordem à verificação da manutenção dos requisitos e v.g. determinar a realização de obras, deve ser transferida para os órgãos regionais de turismo.
Os quais têm um particular interesse na matéria atenta a importância da qualidade do alojamento na captação de turistas para a respectiva região.
III.5) Cadastro dos empreendimentos turísticos
Trata-se de uma matéria relativamente à qual não se oferecem grandes dúvidas. Impera aqui a perspectiva centralista e unitária, na medida em que o cadastro deve cobrir todo o território nacional. Será, pois, o ITP que deve manter organizado o cadastro dos empreendimentos turísticos.
III.6) Agências de viagens e empresas de animação turística
Estas empresas são alvo de uma disciplina jurídica muito semelhante. A estrutura da lei das agências de viagens foi praticamente decalcada na normação das empresas de animação turística. Dir-se-á, grosso modo, que a segunda é uma versão aligeirada da primeira.
Porventura em razão de avultarem na sua constituição sobretudo elementos de natureza documental que, assim, não carecem de ser aferidos in loco, pode ser preferível uma perspectiva centralista que assegure uma uniformidade de tratamento e uma maior celeridade na emissão dos alvarás.
Não haverá também um historial de contactos entre os empresários de agências de viagens e empresas de animação com os órgãos regionais de turismo tão intenso quanto o que se verifica com os empresários dos empreendimentos turísticos, pelo menos no que concerne à fase inicial.
A grande opção vai ser entre a especialização assegurada pelo ITP e a generalista DGAE para a qual aparentemente propende o MEI.
A fiscalização das agências viagens, ultimamente a cargo da IGAE, tem suscitado várias críticas pela insensibilidade revelada para os aspectos do turismo, pela sobrevalorização de aspectos formais que, normalmente, redundam em elevadas coimas que definham, ainda mais, estes fragilizados agentes económicos.
Estão em causa os importantes aspectos do licenciamento, revogação da licença e cassação dos alvarás e outros de menos importância como a mudança de sede, formas locais de representação e a organização e manutenção dos registos das agências de viagens e empresas de animação turística.
Já a vistoria das instalações das agências de viagens bem como das empresas de aluguer de veículos sem condutor, poderá beneficiar com uma solução de proximidade, isto é, ser cometida aos órgãos regionais de turismo.
III.7) Estabelecimentos de restauração e bebidas
A questão coloca-se apenas relativamente a uma pequena parte dos estabelecimentos de restauração e bebidas: os classificados como de luxo e os qualificados como típicos. Só estes são da competência da DGT.
Numa linha de coerência com o anteriormente exposto, deve valer aqui uma solução de proximidade. A gastronomia é uma importantíssima componente da oferta turística, pelo que não deve hesitar-se em transferir para os órgãos regionais de turismo esta atribuição.
Já quanto à organização e registo destes estabelecimentos deve prevalecer uma solução centralista, pelo que, à semelhança do cadastro dos empreendimentos turísticos, deve ser cometida ao ITP.
III.8) Zonas de caça turística
Falta-me um mínimo de sensibilidade para apontar uma solução para o parecer sobre os planos de aproveitamento turístico e outra tramitação procedimental neste domínio.
III.9) Declaração de interesse para o turismo
Trata-se de um importante instituto abrangendo um conjunto significativo e diversificado de actividades, designadamente marinas, campos de golfe, centros de congressos, parques temáticos, estabelecimentos de restauração e bebidas, encontrando-se fortemente associado à componente do financiamento.
Na concessão da declaração de interesse para o turismo, que é da responsabilidade da DGT, avulta sobretudo uma análise documental e não uma verificação in loco. Não existe uma comissão de vistoria para no terreno verificar os respectivos requisitos.
Daí que me incline fortemente para uma solução centralista, o seu cometimento ao ITP, instituto público que precisamente tem as suas raízes na componente do financiamento, dispondo, assim, de uma vasta experiência nessa matéria.
Por seu turno, o regulamento que disciplina a declaração de interesse para o turismo já contempla um parecer, muito detalhado, dos órgãos regionais de turismo destinado a verificar o interesse desse investimento para a região.
IV – Relações internacionais, informação e documentação (artº 9º LODGT)
Pela sua importância, não existem dúvidas quanto à sua transferência «in totum» para o ITP. Atrevo-me, aliás, atenta a enorme sangria de documentação histórica que o sector infelizmente já registou aquando de anteriores alterações orgânicas, a formular a sugestão de se ter uma especial cautela no que respeita ao centro de documentação.
V – Regulamentação turística (artº 10º LODGT)
Aspectos de igual modo importantes, que nenhuma dúvida oferecem quanto à necessidade da sua integração no ITP.
VI – Conclusão
Aqui fica o meu contributo, necessariamente superficial e discutível nalguns domínios esperando, sobretudo, lançar a discussão sobre tão importantes matérias.
E que se possa agora, por força das circunstâncias, retomar a concretização do salutar princípio expresso no preâmbulo da Lei dos Empreendimentos Turísticos, publicada em 1997, de fazer participar os órgãos de proximidade na preservação da oferta turística portuguesa.
Que o resultado final do PRACE se consubstancie numa nova administração do turismo português, a qual mantendo um conjunto significativo de atribuições no plano nacional, reforce a componente da administração regional.
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em PUBLITURIS
(Nº 926 – 12 de Maio de 2006 e Nº 927 – 19 de Maio de 2006)