No artigo anterior iniciámos a análise da Lei do Turismo de Moçambique (Lei nº 4/2004, de 17 de Junho), publicada na sequência da aposta deste país no desenvolvimento do turismo, a qual se encontra na fase da respectiva regulamentação.
A nova normação, que substitui a vetusta legislação da indústria hoteleira e estabelecimentos similares, publicada em 1969, apresenta o figurino legal de uma lei de bases do turismo.
Aspecto importante é o de que a Lei do Turismo permite uma considerável amplitude em sede regulamentar, porquanto matérias consideradas fulcrais, como a tipologia dos estabelecimentos hoteleiros, serão livremente concebidas na fase agora iniciada, tornando-a, assim, muito estimulante do ponto de vista da arquitectura do novo edifício normativo.
Analisada a sistematização, bem como as duas primeiras normas da Lei do Turismo, vou prosseguir o excurso a partir do artº 3º.
1) Objectivos
De entre os vários objectivos que figuram no artº 3º, que seria fastidioso enumerar na totalidade, destacam-se os seguintes:
– Desenvolvimento económico e social com a inerente criação de emprego e redução da pobreza, respeitando, porém, o património natural, arqueológico e artístico;
– Estímulo ao sector privado moçambicano na participação, promoção e desenvolvimento dos recursos turísticos;
– Incentivo de medidas de segurança e tranquilidade dos turistas, consumidores (atente-se na distinção) e fornecedores de serviços turísticos;
– Consecução de um princípio da igualdade de direitos e oportunidades.
2) Âmbito
O artº 4º fornece-nos o âmbito tripartido de aplicação da Lei do Turismo, a saber:
– Actividades de fomento levadas a cabo pelo sector público (artigos 6º a 14º);
– Disciplina da actividade dos fornecedores e produtores de serviços turísticos (artigos 15º a 19º);
– Protecção dos turistas e consumidores de produtos turísticos, consagrando os respectivos direitos e deveres (artigos 20º e 21º).
3) Princípio da integração entre sector público e sector privado
O artº 4º proclama o princípio da integração entre o sector público e o privado na organização e funcionamento da actividade económica do turismo, o qual é extensivo a outros intervenientes na actividade turística.
4) Política de turismo e plano estratégico de desenvolvimento do turismo
Esta importante matéria da política de turismo e do plano estratégico de desenvolvimento do turismo, é referida no artº 6º como uma das competências do Conselho de Ministros, cabendo ainda a este órgão a aprovação da estratégia inter-sectorial para a erradicação de qualquer forma ou organização de turismo sexual infantil.
Complementarmente, o artº 26º prevê a existência de infracções criminais no âmbito do turismo sexual infantil quer como fornecedor de produtos e serviços turísticos quer como turista ou consumidor, nos seguintes tipos: proxenetismo, proxenetismo agravado e corrupção de menores.
5) O princípio do desenvolvimento sustentável, as zonas de interesse turístico e as áreas de conservação
O tradicional princípio do desenvolvimento sustentável do turismo em respeito do ambiente, surge-nos no artº 7º, incumbindo a sua prossecução a todas as autoridades públicas que devem favorecer e incentivar actividades de baixo impacto ambiental em ordem à preservação do património natural.
Com carácter cogente, dispõe-se que a concepção urbanística e arquitectónica e o modo como são explorados os empreendimentos turísticos têm por escopo a sua melhor integração no contexto económico e social local.
O artº 8º prevê a criação de zonas de interesse turístico, como tal consideram-se as áreas que, pelos seus recursos naturais, podem captar fluxos de turistas nacionais e internacionais, competindo a sua declaração ao Conselho de Ministros.
De seguida, o artº 9º disciplina as áreas de conservação, nas quais se podem desenvolver actividades de ecoturismo, turismo cinegético, mergulho recreativo e outras actividades afins.
6) Nota não jurídica: o editorial sobre a gestão da promoção turística e o preocupante défice de opinião publicada no turismo
O sector do turismo ficou recentemente privado (espero que temporariamente) de dois dos seus mais importantes colunistas, Carlos Costa, por motivos de ordem profissional, e Belmiro Santos, por razões de saúde.
Vítor Neto, sempre activo, tem uma plateia específica e alargada mas, do meu ponto de vista, não chega ao denominado trade mercê da publicação escolhida. Em razão do fraco desempenho dos actuais titulares, o tempo corre a seu favor, aumentando todos os dias a probabilidade de ser chamado de novo à governação, pelo que será inteiramente compreensível algum distanciamento e um menor pendor crítico, aliás explicável, noutro plano, por solidariedade com a sua família política.
Licínio Cunha, pela enorme bagagem política e técnica aliada à sua postura de reserva e distanciamento de anterior governante, é mais do estilo de concentrar as suas reflexões num único artigo ou em dois fortemente intervalados. Toca as grandes linhas, não se ocupa das pequenas questões. Ainda não escreveu nesta Legislatura.
Sérgio Palma Brito – a quem cumpre felicitar pela honrosa e merecida distinção concedida recentemente pelo Sr. Presidente da República – não tem evidenciado publicamente sinais de descontentamento.
Cinco vozes significativas que, por diferentes razões, não têm expressado publicamente os seus pontos de vista.
Não vou naturalmente enumerar todos, mas os dedos da outra mão serão suficientes para contar os restantes que podendo comentar criticamente o curso dos acontecimentos ainda não se predispuseram a fazê-lo.
Face a este preocupante défice de opinião crítica escrita no sector do turismo, é inteiramente de aplaudir o último editorial de José Luís Elias. Os editorialistas ocupam, assim, o espaço deixado em aberto pelos colunistas. Esperemos que mantenha futuramente tal fasquia e coloque o dedo na ferida num conjunto de matérias que são abundantemente referidas nos salões e corredores dos mais variados acontecimentos, mas que nenhum eco encontram na opinião publicada (desta os visados podem defender-se, das insídias do croquete ou do caviar não é tão fácil).
A fiscalização dos actos de poder através dos media é um dos poderosos tonificadores da Democracia, pelo que são reprováveis quaisquer tipo de iniciativas que visem condicionar o exercício de tal faculdade, seja através da retirada de publicidade ou de engenhosas acções de assessores de imprensa.
O editorial em apreço teve o mérito de chamar à atenção de algo que não vai bem numa matéria de extrema importância como a promoção. Fazendo temer que se possa repetir a perversão da anterior legislatura de o poder político residir não no órgão que a lei indica mas no titular de outro órgão que tem uma ligação de maior confiança com o Ministro.
Afinal não foi por este tipo de comportamentos politicamente desviantes que se exonerou o anterior Primeiro-Ministro?
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(Ano XX – nº 647 – 20 de Novembro de 2005)