Requiem pela Direcção-Geral do Turismo?
É positiva, pela honestidade política que lhe subjaz, a decisão de manter o DL nº 167/97, afastando-se expedientes de mera cosmética normativa com o objectivo de extrair dividendos políticos.
A efémera e desigualitária dicotomia empreendimentos turísticos comuns e estruturantes está na origem de uma importante perda de atribuições da DGT, a mais grave da história desta importante e representativa instituição de administração do turismo português, que entrará, assim, a concretizarem-se as projectadas modificações legais, num coma institucional prenunciador do seu decesso.
Corrige-se, volvidos dois anos, o erro grosseiro de transformação forçada dos parques de campismos privativos em empreendimentos turísticos.
Considerações gerais
Antes de entrar na temática do artigo, gostaria de desenvolver três breves considerações de natureza geral relativas a profissionais do turismo.
1ª – A nomeação do anterior Secretário de Estado de Turismo, Pedro de Almeida, para a Organização Mundial do Turismo (OMT), com o estatuto de embaixador. Aliando um sólido curriculum profissional (presidente do ICEP e da ENATUR) a uma formação académica apreciável, responsável pelo programa eleitoral do PSD e ulteriormente do Governo em matéria de turismo, foi objectivamente prejudicado por um processo de nomeação fragilizante e irrepetível – as negociações com a Madeira lançaram previamente dois nomes para a praça pública – e um Ministro da Economia com patentes dificuldades na apreensão das especificidades do turismo. Apresenta a sua demissão ao Primeiro-Ministro no preciso dia em que é despoletado o concurso de privatização das pousadas, num gesto pleno de significado. O chefe do Governo terá entendido que as suas potencialidades não se coadunam com a prateleira dourada do ICEP ou de seu assessor para a área do turismo, pelo que o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros franqueia-lhe o acesso à OMT. Entra fortemente motivado, rapidamente ascende à vice-presidência de uma das comissões e o português torna-se língua oficial da organização. Um bom exemplo – sobretudo se atentarmos no envolvimento do próprio Primeiro Ministro na ascensão de um secretário de Estado cessante ao estatuto de embaixador – de preservação e dignificação dos profissionais do turismo.
2ª – A intervenção de Paulo Neves como orador no Congresso da APAVT no painel relativo à promoção. Num país onde, por via de regra, se entra rapidamente no esquecimento após o exercício de cargos de relevo, parece-me um facto digno de registo dada a indiscutível importância deste evento anual das agências de viagens. Actualmente com responsabilidades na elaboração do plano de turismo de Coimbra (sinal de amadurecimento democrático, na medida em que a escolha de um profissional não é afectada por critérios partidários) e aproveitando para concluir a sua formação em direito, volta momentaneamente à ribalta num grande acontecimento turístico.
3ª – O artigo de Licínio Cunha no Diário de Notícias, de 7 de Novembro de 2003, págs. 197 e segs., intitulado «Falta compromisso político», com uma multiplicidade de reflexões de grande profundidade sobre a conformação política do turismo e cuja leitura recomendo vivamente. Esta continuada actividade reflexiva de Licínio Cunha, de forte cunho político-económico, mas sem peias partidárias, constitui um bom exemplo de dedicação à causa do turismo e de cidadania. O seu interesse pela actividade manteve-se muito para além da governação, sendo autor de dois livros de referência do turismo português (publicou outro recentemente) com forte penetração no segmento estudantil, contribuindo, assim, activamente para a formação dos futuros profissionais do sector. Não raro, tenho encontrado nessas obras a explicação da génese de determinada questão do turismo, facilitando, em boa medida, a respectiva solução jurídica.
Síntese das posições anteriores relativamente ao DL nº 167/97
No anterior artigo de opinião procurei, de forma sintética, demonstrar os seguintes aspectos:
1º – O Decreto-Lei nº 167/97 (LET), que constitui a disciplina base dos empreendimentos turísticos mediante a fixação das grandes linhas da actividade, não induz à morosidade do licenciamento;
2º – O licenciamento da construção e da utilização cometido actualmente às câmaras municipais é, no essencial, disciplinado no RJUE, salvo algumas particularidades decorrentes da legislação turística;
3º – Alertei em matéria de consultas a entidades exteriores ao município para as virtualidades do artº 19º RJUE, as quais, devidamente exploradas, poderão conduzir a um substancial encurtamento dos prazos de licenciamento;
4º – Sublinhei que os aspectos de maior pormenorização e desenvolvimento, tais como grupos e categorias dos empreendimentos turísticos, requisitos das instalações, classificação e
funcionamento são operados ao nível dos quatro decretos regulamentares que desenvolvem a LET;
5º – E, por isso, importa focalizar a nossa atenção nos decretos-regulamentares, indagando quais os aspectos concretos ao nível dos requisitos mínimos, classificação e funcionamento que possam e devam ser alterados.
Apresentação do projecto governamental de alterações à Lei dos Empreendimentos Turísticos
Após o envio para publicação do aludido artigo, tomei conhecimento do projecto governamental de alterações à LET. Dado o elevado conjunto de reflexões que tal projecto motiva, vou no presente escrito abordar a decisão política de manter o DL nº 167/97, a introdução de um sistema dualista de empreendimentos turísticos, repartindo-os entre as categorias de comuns e estruturantes, e, finalmente, a perda pelos parques de campismo privativos da qualidade de empreendimentos turísticos.
A manutenção do DL nº 167/97
O projecto conserva o DL nº 167/97, não o substituindo por outro diploma, resistindo, assim, o executivo à tentação de extrair efémeros dividendos políticos da apresentação de um novo diploma legal que se limitasse a incorporar conteúdos normativos anteriores desacompanhados de inovações de natureza material minimamente significativas. Os diversos destinatários deste importante corpo de normas terão apenas de estudar as alterações que vierem a ser introduzidas. O esforço de toda a comunidade envolvida, maxime investidores e câmaras municipais, é consideravelmente facilitado e a apreciação das inovações mais rigorosa e objectiva. É, pois, de aplaudir, pela honestidade política que lhe subjaz, esta decisão de fundo.
Um aspecto que poderá ser melhorado nas ulteriores fases deste processo é o de os projectos mencionarem claramente o que constitui inovação ou alteração, designadamente através de métodos simples como a indicação a negrito ou itálico, reduzindo, assim, consideravelmente o tempo despendido na sua apreciação. Mesmo para os mais familiarizados com a legislação dos empreendimentos turísticos, são algumas horas de trabalho – separando o que é novo/alterado do que subsiste incólume – inutilmente perdidas que melhor se canalizam para a análise mais aprofundada dos objectivos governamentais e inclusivamente para a formulação de sugestões.
A dicotomia Empreendimentos Turísticos Comuns e Estruturantes dá origem a uma preocupante perda de atribuições da DGT
As alterações da LET são justificadas pelo objectivo de simplificação e agilização do processo de licenciamento de projectos turísticos, maxime dos que apresentam carácter estruturante.
O projecto introduz uma dicotomia entre empreendimentos comuns e empreendimentos de carácter estruturante (ETE). A caracterização destes últimos decorre primacialmente de um critério quantitativo: investimento (de raiz ou reabilitação/remodelação) de estruturas de alojamento ou de animação turística (esta encontra-se disciplinada num diploma próprio, não se justificando a sua previsão autónoma na LET) num montante superior a 15 milhões de euros, (artº 7º, nº 1). No entanto, desde que o investimento não seja inferior a 7 milhões de euros podem como tal ser considerados mercê de um critério qualitativo, ou seja , assumirem relevância estratégica estrutural para o turismo regional ou nacional. Tal declaração compete ao director-geral do turismo com base em critérios seriados na lei, designadamente o interesse do empreendimento para a região, a capacidade técnica e de gestão e a inserção e o enquadramento na política de turismo. Independentemente da apreciação de fundo quanto à bondade desta distinção, que introduz uma discriminação em razão do valor do investimento, denunciadora de uma matriz legiferante de pendor eminentemente bancário, afigura-se-me que o limite mínimo dos sete milhões de euros não deve obstar à qualificação como ETE quando exista um parecer devidamente fundamentado dos órgãos regionais ou locais de turismo. A proximidade das populações e interesses regionais permite-lhes avaliar com rigor a relevância estratégica estrutural para o turismo regional de determinado investimento abaixo daquele limiar mínimo.
Esta dicotomia tem uma importante consequência: os projectos relativos a empreendimentos turísticos comuns saem da DGT para as direcções-regionais do Ministério da Economia (DREs). Apenas os projectos relativos a ETE continuam sob a alçada da DGT.
Espero poder dedicar maior atenção num dos próximos artigos à preocupante tendência de progressiva aniquilação de uma das instituições mais representativas do turismo português. E este apresenta-se, sem sombra de dúvidas, como o golpe mais profundo que alguma vez lhe foi desferido. Enquanto em França, maior destino turístico mundial, se discute actualmente um projecto fortemente descentralizador das competências do Estado em matéria de turismo (cometendo-lhe tão somente a definição das grandes orientações políticas, coordenação da cooperação internacional e regulamentação das actividades privadas) para as «collectivités territoriales», nós caminhamos, sem rumo aparente, para fórmulas cada vez menos eficientes de desconcentração.
Finalmente, não se compreende muito bem o salto do PDT para a LET. Recorde-se que o PDT prevê uma acção concertada entre o Instituto de Turismo de Portugal (uma das gestações mais prolongadas da administração do turismo português) e a Agência Portuguesa para o Investimento, a desenvolver entre nós ou no estrangeiro, em ordem à «captação e acompanhamento de investimentos e projectos considerados estruturantes ou estrategicamente relevantes para o turismo português». De um objectivo de concertação para esta sangria de competências da DGT há um salto considerável, indiciador de que estas matérias não terão sido ponderadas com o tempo e profundidade devidas. Perda que contrasta fortemente com a afirmação, também vertida no PDT, de clarificação e reforço do papel da DGT no domínio da regulamentação.
A eliminação dos Parques de Campismo Privativos do elenco legal de Empreendimentos Turísticos
Como se recordarão, na fase terminal da anterior legislatura, os parques de campismo privativos foram, com grande surpresa, transformados em empreendimentos turísticos. A respectiva associação empresarial (AECAMP), secundada pela CTP, alertou para o carácter forçado do seu ingresso na legislação turística, por se tratar de uma realidade eminentemente associativa e não acessível aos turistas em geral. Acolhe-se agora a bondade desta argumentação, pelo que se impõem, numa segunda fase, as correspondentes modificações no Decreto-Regulamentar nº 33/97, de 17 de Setembro. Finalmente, importa que o diploma que venha a disciplinar os parques de campismo privativos estabeleça requisitos mínimos, nomeadamente ao nível da segurança, tão exigentes quanto os dos parques de campismo públicos.
O espaço de que disponho – já largamente ultrapassado – impõe a imediata conclusão deste artigo. No próximo tentarei abordar aspectos do projecto que me parecem preocupantes, designadamente o sistema de classificação facultativo, a grande amplitude da noção de conjunto turístico e o conceito de imobiliária turística.
Turisver - Ano XIX - nº 603, 20 de Novembro de 2003
É positiva, pela honestidade política que lhe subjaz, a decisão de manter o DL nº 167/97, afastando-se expedientes de mera cosmética normativa com o objectivo de extrair dividendos políticos.
A efémera e desigualitária dicotomia empreendimentos turísticos comuns e estruturantes está na origem de uma importante perda de atribuições da DGT, a mais grave da história desta importante e representativa instituição de administração do turismo português, que entrará, assim, a concretizarem-se as projectadas modificações legais, num coma institucional prenunciador do seu decesso.
Corrige-se, volvidos dois anos, o erro grosseiro de transformação forçada dos parques de campismos privativos em empreendimentos turísticos.
Considerações gerais
Antes de entrar na temática do artigo, gostaria de desenvolver três breves considerações de natureza geral relativas a profissionais do turismo.
1ª – A nomeação do anterior Secretário de Estado de Turismo, Pedro de Almeida, para a Organização Mundial do Turismo (OMT), com o estatuto de embaixador. Aliando um sólido curriculum profissional (presidente do ICEP e da ENATUR) a uma formação académica apreciável, responsável pelo programa eleitoral do PSD e ulteriormente do Governo em matéria de turismo, foi objectivamente prejudicado por um processo de nomeação fragilizante e irrepetível – as negociações com a Madeira lançaram previamente dois nomes para a praça pública – e um Ministro da Economia com patentes dificuldades na apreensão das especificidades do turismo. Apresenta a sua demissão ao Primeiro-Ministro no preciso dia em que é despoletado o concurso de privatização das pousadas, num gesto pleno de significado. O chefe do Governo terá entendido que as suas potencialidades não se coadunam com a prateleira dourada do ICEP ou de seu assessor para a área do turismo, pelo que o anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros franqueia-lhe o acesso à OMT. Entra fortemente motivado, rapidamente ascende à vice-presidência de uma das comissões e o português torna-se língua oficial da organização. Um bom exemplo – sobretudo se atentarmos no envolvimento do próprio Primeiro Ministro na ascensão de um secretário de Estado cessante ao estatuto de embaixador – de preservação e dignificação dos profissionais do turismo.
2ª – A intervenção de Paulo Neves como orador no Congresso da APAVT no painel relativo à promoção. Num país onde, por via de regra, se entra rapidamente no esquecimento após o exercício de cargos de relevo, parece-me um facto digno de registo dada a indiscutível importância deste evento anual das agências de viagens. Actualmente com responsabilidades na elaboração do plano de turismo de Coimbra (sinal de amadurecimento democrático, na medida em que a escolha de um profissional não é afectada por critérios partidários) e aproveitando para concluir a sua formação em direito, volta momentaneamente à ribalta num grande acontecimento turístico.
3ª – O artigo de Licínio Cunha no Diário de Notícias, de 7 de Novembro de 2003, págs. 197 e segs., intitulado «Falta compromisso político», com uma multiplicidade de reflexões de grande profundidade sobre a conformação política do turismo e cuja leitura recomendo vivamente. Esta continuada actividade reflexiva de Licínio Cunha, de forte cunho político-económico, mas sem peias partidárias, constitui um bom exemplo de dedicação à causa do turismo e de cidadania. O seu interesse pela actividade manteve-se muito para além da governação, sendo autor de dois livros de referência do turismo português (publicou outro recentemente) com forte penetração no segmento estudantil, contribuindo, assim, activamente para a formação dos futuros profissionais do sector. Não raro, tenho encontrado nessas obras a explicação da génese de determinada questão do turismo, facilitando, em boa medida, a respectiva solução jurídica.
Síntese das posições anteriores relativamente ao DL nº 167/97
No anterior artigo de opinião procurei, de forma sintética, demonstrar os seguintes aspectos:
1º – O Decreto-Lei nº 167/97 (LET), que constitui a disciplina base dos empreendimentos turísticos mediante a fixação das grandes linhas da actividade, não induz à morosidade do licenciamento;
2º – O licenciamento da construção e da utilização cometido actualmente às câmaras municipais é, no essencial, disciplinado no RJUE, salvo algumas particularidades decorrentes da legislação turística;
3º – Alertei em matéria de consultas a entidades exteriores ao município para as virtualidades do artº 19º RJUE, as quais, devidamente exploradas, poderão conduzir a um substancial encurtamento dos prazos de licenciamento;
4º – Sublinhei que os aspectos de maior pormenorização e desenvolvimento, tais como grupos e categorias dos empreendimentos turísticos, requisitos das instalações, classificação e
funcionamento são operados ao nível dos quatro decretos regulamentares que desenvolvem a LET;
5º – E, por isso, importa focalizar a nossa atenção nos decretos-regulamentares, indagando quais os aspectos concretos ao nível dos requisitos mínimos, classificação e funcionamento que possam e devam ser alterados.
Apresentação do projecto governamental de alterações à Lei dos Empreendimentos Turísticos
Após o envio para publicação do aludido artigo, tomei conhecimento do projecto governamental de alterações à LET. Dado o elevado conjunto de reflexões que tal projecto motiva, vou no presente escrito abordar a decisão política de manter o DL nº 167/97, a introdução de um sistema dualista de empreendimentos turísticos, repartindo-os entre as categorias de comuns e estruturantes, e, finalmente, a perda pelos parques de campismo privativos da qualidade de empreendimentos turísticos.
A manutenção do DL nº 167/97
O projecto conserva o DL nº 167/97, não o substituindo por outro diploma, resistindo, assim, o executivo à tentação de extrair efémeros dividendos políticos da apresentação de um novo diploma legal que se limitasse a incorporar conteúdos normativos anteriores desacompanhados de inovações de natureza material minimamente significativas. Os diversos destinatários deste importante corpo de normas terão apenas de estudar as alterações que vierem a ser introduzidas. O esforço de toda a comunidade envolvida, maxime investidores e câmaras municipais, é consideravelmente facilitado e a apreciação das inovações mais rigorosa e objectiva. É, pois, de aplaudir, pela honestidade política que lhe subjaz, esta decisão de fundo.
Um aspecto que poderá ser melhorado nas ulteriores fases deste processo é o de os projectos mencionarem claramente o que constitui inovação ou alteração, designadamente através de métodos simples como a indicação a negrito ou itálico, reduzindo, assim, consideravelmente o tempo despendido na sua apreciação. Mesmo para os mais familiarizados com a legislação dos empreendimentos turísticos, são algumas horas de trabalho – separando o que é novo/alterado do que subsiste incólume – inutilmente perdidas que melhor se canalizam para a análise mais aprofundada dos objectivos governamentais e inclusivamente para a formulação de sugestões.
A dicotomia Empreendimentos Turísticos Comuns e Estruturantes dá origem a uma preocupante perda de atribuições da DGT
As alterações da LET são justificadas pelo objectivo de simplificação e agilização do processo de licenciamento de projectos turísticos, maxime dos que apresentam carácter estruturante.
O projecto introduz uma dicotomia entre empreendimentos comuns e empreendimentos de carácter estruturante (ETE). A caracterização destes últimos decorre primacialmente de um critério quantitativo: investimento (de raiz ou reabilitação/remodelação) de estruturas de alojamento ou de animação turística (esta encontra-se disciplinada num diploma próprio, não se justificando a sua previsão autónoma na LET) num montante superior a 15 milhões de euros, (artº 7º, nº 1). No entanto, desde que o investimento não seja inferior a 7 milhões de euros podem como tal ser considerados mercê de um critério qualitativo, ou seja , assumirem relevância estratégica estrutural para o turismo regional ou nacional. Tal declaração compete ao director-geral do turismo com base em critérios seriados na lei, designadamente o interesse do empreendimento para a região, a capacidade técnica e de gestão e a inserção e o enquadramento na política de turismo. Independentemente da apreciação de fundo quanto à bondade desta distinção, que introduz uma discriminação em razão do valor do investimento, denunciadora de uma matriz legiferante de pendor eminentemente bancário, afigura-se-me que o limite mínimo dos sete milhões de euros não deve obstar à qualificação como ETE quando exista um parecer devidamente fundamentado dos órgãos regionais ou locais de turismo. A proximidade das populações e interesses regionais permite-lhes avaliar com rigor a relevância estratégica estrutural para o turismo regional de determinado investimento abaixo daquele limiar mínimo.
Esta dicotomia tem uma importante consequência: os projectos relativos a empreendimentos turísticos comuns saem da DGT para as direcções-regionais do Ministério da Economia (DREs). Apenas os projectos relativos a ETE continuam sob a alçada da DGT.
Espero poder dedicar maior atenção num dos próximos artigos à preocupante tendência de progressiva aniquilação de uma das instituições mais representativas do turismo português. E este apresenta-se, sem sombra de dúvidas, como o golpe mais profundo que alguma vez lhe foi desferido. Enquanto em França, maior destino turístico mundial, se discute actualmente um projecto fortemente descentralizador das competências do Estado em matéria de turismo (cometendo-lhe tão somente a definição das grandes orientações políticas, coordenação da cooperação internacional e regulamentação das actividades privadas) para as «collectivités territoriales», nós caminhamos, sem rumo aparente, para fórmulas cada vez menos eficientes de desconcentração.
Finalmente, não se compreende muito bem o salto do PDT para a LET. Recorde-se que o PDT prevê uma acção concertada entre o Instituto de Turismo de Portugal (uma das gestações mais prolongadas da administração do turismo português) e a Agência Portuguesa para o Investimento, a desenvolver entre nós ou no estrangeiro, em ordem à «captação e acompanhamento de investimentos e projectos considerados estruturantes ou estrategicamente relevantes para o turismo português». De um objectivo de concertação para esta sangria de competências da DGT há um salto considerável, indiciador de que estas matérias não terão sido ponderadas com o tempo e profundidade devidas. Perda que contrasta fortemente com a afirmação, também vertida no PDT, de clarificação e reforço do papel da DGT no domínio da regulamentação.
A eliminação dos Parques de Campismo Privativos do elenco legal de Empreendimentos Turísticos
Como se recordarão, na fase terminal da anterior legislatura, os parques de campismo privativos foram, com grande surpresa, transformados em empreendimentos turísticos. A respectiva associação empresarial (AECAMP), secundada pela CTP, alertou para o carácter forçado do seu ingresso na legislação turística, por se tratar de uma realidade eminentemente associativa e não acessível aos turistas em geral. Acolhe-se agora a bondade desta argumentação, pelo que se impõem, numa segunda fase, as correspondentes modificações no Decreto-Regulamentar nº 33/97, de 17 de Setembro. Finalmente, importa que o diploma que venha a disciplinar os parques de campismo privativos estabeleça requisitos mínimos, nomeadamente ao nível da segurança, tão exigentes quanto os dos parques de campismo públicos.
O espaço de que disponho – já largamente ultrapassado – impõe a imediata conclusão deste artigo. No próximo tentarei abordar aspectos do projecto que me parecem preocupantes, designadamente o sistema de classificação facultativo, a grande amplitude da noção de conjunto turístico e o conceito de imobiliária turística.
Turisver - Ano XIX - nº 603, 20 de Novembro de 2003